segunda-feira, 9 de julho de 2012

Padre Responde - O Celibato Sacerdotal

Pergunta: Um homem que sente-se vocacionado ao sacerdócio, mas que na juventude teve um filho que hoje mora com a mãe e tem 12 anos, canonicamente falando-se, pode ser padre?
 
Caríssimo leitor,

Pelo que eu entendi, a pessoa à qual você se refere teve um filho sem ter contraído matrimônio, e este filho ficou com a mãe dele até hoje. Atualmente o menino já tem 12 anos. Esta pessoa hoje se sente vocacionada ao sacerdócio, mas possui dúvidas se, uma vez por ter tido este filho, seria ou não aceito para o sacerdócio.

O fato de uma pessoa ter gerado um filho sem ter contraído o matrimônio não parece ser um impedimento canônico para a recepção do Sacramento da Ordem. Parece que esta foi a situação de Santo Agostinho. Verificamos também que alguns senhores que exerceram o diaconato na Igreja, depois de terem ficado viúvos foram chamados para o sacerdócio e, ao aceitar, foram ordenados, mesmos se estes chegaram a constituir família.


Não sou especialista na área de Direito Canônico, minha área é a Teologia Dogmática, mas julgo que cada caso deste tipo deve ser estudado prudentemente pelo Bispo ou equipe que normalmente o auxilia nesta área. A regra não deve ser a mesma para todos os casos como este que você apresenta; há diversos elementos que devem ser ponderados.

Este problema que sua pergunta coloca não é citado pelo Código de Direito Canônico quando fala dos fatores que impedem um homem ser ordenado sacerdote (CDC 1029.1041.1042.1044).

Quero aproveitar sua pergunta para acenar para uma questão não muito clara para algumas pessoas: Por que o celibato para os sacerdotes? Será que se a Igreja abolisse o celibato não aumentaria o número de vocações? Se os padres casassem não resolveria o problema destes escândalos que aparecem, infelizmente, na Igreja?

Como sabemos, na fé cristã, tudo é interpretado à luz da pessoa de Cristo. Ele é a verdade, o caminho e a vida. Ele é, portanto o referencial para o nosso discernimento sobre a nossa vida. Olhando, então, para Cristo, vemos que Ele não possuiu esposa ou filhos biológicos. Diferente é no campo teológico; podemos dizer, nesse campo, que Cristo possui sim uma esposa: a Igreja. Ele possui uma grande família que são todos aqueles que são incorporados, pelo sacramento do Batismo, ao seu corpo que é a Igreja.


Outro detalhe são os textos bíblicos em que Ele toca nesse assunto: “Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda” (Mt 19,12). Repare neste detalhe das palavras do Senhor quando se refere àqueles que se fizeram eunucos por causa do Reino.

No Evangelho de Lucas há um episódio em que os saduceus interrogam Jesus sobre a situação de uma mulher que ficou viúva e como seu marido não tinha deixado filhos, ela deveria se casar com o irmão para dar ao primeiro marido a descendência (conforme determinava a lei), no final ela tinha casado sucessivamente com sete e nenhum deles tinha deixado filhos; os saduceus perguntam qual dos sete será marido dela na eternidade. Veja o que Jesus responde: “Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento, mas os que serão julgados dignos do século futuro e da ressurreição dos mortos não terão mulher nem marido. Eles jamais poderão morrer, porque são iguais aos anjos e são filhos de Deus, porque são ressuscitados” (Lc 20, 34-36). Jesus indica que na eternidade a realidade do matrimônio não existirá, todos são como irmãos, visto que não haverá a necessidade de perpetuar a espécie por não haver mais a morte. O amor que permanecerá será o amor fraterno. À luz deste texto, compreendemos que os sacerdotes e religiosos na Igreja são aqui na terra sinal da realidade do céu, antecipam na terra o que todos seremos no céu.

Um último texto, para não nos alongarmos muito, é 1Cor 7, 7: “Pois quereria que todos fossem como eu; mas cada um tem de Deus um dom particular: uns este, outros aquele”. Ainda no mesmo capítulo, os versículos 25 e 26: “A respeito das pessoas virgens, não tenho mandamento do Senhor; porém, dou o meu conselho, como homem que recebeu da misericórdia do Senhor a graça de ser digno de confiança. Julgo, pois, em razão das dificuldades presentes, ser conveniente ao homem ficar assim como é”.

Nestes textos, e sobretudo na pessoa de Cristo, encontramos fundamento teológico para a realidade do celibato sacerdotal. Toda a dimensão afetiva, esponsal, paternal é colocada no nível teológico. A Igreja será a esposa do sacerdote, o qual é Cristo na terra. Todos os filhos da Igreja serão seus filhos. O sacerdote, por causa do celibato, não nega sua dimensão afetiva, mas a transcende. Ele não será orientado somente para uma esposa ou uma família, mas para toda a Igreja (uma dimensão muito maior).

É verdade que existem poucos sacerdotes considerando o número de fiéis; mas isso não significa que o Senhor não continue chamando. Ele permanece convidando os jovens a segui-lo neste caminho de doação total de si ao serviço do Reino; o que acontece é que muitos jovens estão muito voltados para o mundo, são mais propensos a escutar os apelos do mundo e por isso não ouvem os apelos de Cristo. Os valores, os ideais que existem nos jovens, infelizmente, são muito terrenos e isso faz com que não sintam fascínio pelas coisas do alto; com isso não quero dizer que não existam exceções. Graças a Deus há aqueles que são capazes de ouvir os apelos do Senhor: “Vem e segue-me!”. Normalmente são aqueles que não se deixam levar pelos modelos que o mundo propõe. Graças a Deus, constatamos que há um aumento considerável de vocações sacerdotais.

A abolição do celibato sacerdotal não aumentaria o número de vocações; pois na Igreja do Oriente, onde alguns padres se casam, esse fator não faz aumentar o número de vocações. Fico imaginando a seguinte situação: como reagiria um padre que fosse casado e que no momento de levar sua esposa para o hospital, em uma situação de emergência, exatamente naquele mesmo momento chegasse o pedido para que ele fosse atender um fiel enfermo que estivesse em agonia? Seria muito difícil para ele. Se já nos encontramos em situações em que nos falta tempo para atender a todas as necessidades da Igreja, imagine se tivéssemos ainda uma família biológica!

Também não resolveria o problema dos escândalos; pois não é o celibato a causa destes problemas que, infelizmente, fazem sofrer tanto a Igreja, nossa Mãe. Pensar dessa forma seria como responsabilizar a medicina pelo erro que algum médico cometeu. O fator que gera estes problemas parece ser anterior à opção vocacional. A causa destas desordens parece estar na história pessoal, na formação, na assimilação de valores que o indivíduo recebeu antes da opção vocacional. De tal maneira que, se ele tivesse optado pela vocação matrimonial, ali ele apresentaria também problemas desta ordem.  Portanto, a via de solução para esta dificuldade não parece ser aquela de negar o valor do celibato, mas ao contrário, de verificar a riqueza, a grandeza deste dom para a Igreja. Não é o celibato a causa destas desordens, mas  uma falsa ideia de celibato. O celibato é causa de realização pessoal e de muita felicidade, por levar a pessoa a doar-se inteiramente, primeiro a Cristo, e depois ao serviço do Reino.

Um detalhe importante que devemos considerar: o celibato não é obrigatório para o sacerdote. Em outras palavras: a Igreja não obriga nenhum jovem  a ser padre. É uma questão de vocação. O jovem se sente chamado e pede para servir ao Reino desta maneira. Aquilo que o Senhor pede de nós, primeiramente Ele nos concede; portanto, o celibato é uma graça dada ao sacerdote, muito mais que fruto do esforço dele.

Rezemos para que o Senhor conceda a sua Igreja numerosas e santas vocações. Rezemos para que existam jovens que coloquem em primeiro lugar os valores do céu, e assim sejam capazes de escutar os apelos do Senhor: “Vem e segue-me!

Pe. Cícero Lenisvaldo Miranda

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