quinta-feira, 28 de junho de 2012

Padre Responde - A Origem da Humanidade

Pergunta: Padre segundo o livro do Gênesis, Deus criou o homem e a mulher - Adão e Eva-, ela teve 3 filhos e a partir daí formou todo o povo, mas como pode ter ocorrido isso se era apenas uma mulher e 4 homens? 

Caríssimo leitor,

Você toca em um ponto muito delicado da nossa fé: Como a espécie humana se propagou a partir do casal original? Estaríamos entre duas possibilidades: houve o chamado “incesto” na origem da humanidade ou Deus teria criado outros casais originais, dos quais os filhos se uniram para propagar a espécie humana? Inclusive, pelo fato de não haver nesta questão uma conclusão satisfatória, parece que ela caiu no silêncio entre os teólogos. Gostaria de chamar a atenção para o fato de que a Sagrada Escritura, nesta questão das origens, não tem a intenção de decifrar todos os detalhes da origem humana histórica, mas de apresentar aquelas questões que são necessárias para a nossa salvação. Por esse motivo, aparecem estas lacunas no que se refere aos detalhes históricos que a Sagrada Escritura não esclarece suficientemente. Em outras palavras, a verdade apresentada pela Sagrada Escritura é salvífica e não científica (histórica).

Isso não significa que estas primeiras páginas da Sagrada Escritura possam ser vistas como mito (elementos não verificáveis na história). Estas primeiras páginas são uma interpretação de um fato que se deu no passado, do qual não temos registro histórico suficiente, mas que interpretamos através dos efeitos, das consequências que experimentamos na atualidade. Constatamos o fato não diretamente, em si mesmo (coisa impossível, seja para a teologia, seja para a ciência), mas indiretamente, através das evidências.


Há algumas teses que tentam responder a esta questão:

a)                      Aquela que diz que Adão e Eva tiveram outros filhos – conforme Gn 5,4 -  (mesmo se o texto sagrado somente cita o  nome de três: Caim, Abel e Set – conforme Gn 4,1s e 5,3); e que estes se uniram sexualmente, com  a permissão de Deus, gerando outros descendentes. Essa concessão teria sido feita por causa da necessidade de multiplicar o gênero humano. Tratava-se de uma circunstância especial na qual se encontrava o gênero humano.

Aqui, para justificar esta hipótese, se alega que não parece haver proibição na Sagrada Escritura sobre este tipo de relação antes do período de Abraão (Gn 12,13 e 20,12), mas, somente depois de um longo período de tempo. O texto que apresenta a proibição para esta relação aparece somente em Lv 20,17.

A dificuldade que surge desta hipótese: afirmar que uma norma moral seria válida em uma época e não em outra.

Sobre esta interpretação, proponho a seguinte reflexão: Uma tese que afirmasse que houve o “incesto” por necessidade permitiria afirmar que Deus poderia também, arbitrariamente, fazer com que algo moralmente mal passasse a ser bom.
Devemos afirmar com a Igreja que uma norma moral é a mesma e válida em qualquer período do tempo; não podemos dizer que a mentira, por exemplo, seja em um determinado momento algo bom. A mentira é sempre um mal.

b)                     Uma outra hipótese: aquela que diz que a humanidade teria surgido não de um único casal original (tese que é chamada de monogenismo) e sim de vários casais originários (tese que chamamos de poligenismo). Os filhos de Adão e Eva teriam encontrado outra raça de seres humanos que não fosse descendente de Adão e Eva.

A dificuldade que surge aqui é o confronto com a doutrina do pecado original; esta supõe, na origem, um único casal original. Desse casal teria se propagado a espécie humana e, consequentemente, o pecado original. Dessa maneira, toda a humanidade marcada pelo pecado original necessitaria da Redenção operada por Cristo.

Por qual motivo a tese do monogenismo é importante?

A Igreja sempre ensinou a doutrina do monogenismo. A esse propósito, São Paulo diz: “Ele fez nascer de um só homem todo o gênero humano” (At 17,26) e “Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram”  (Rm 5,12). De um único homem, Deus produziu o inteiro gênero humano. A Bíblia fala de primeiro homem (1 Cor 15,45).

Sendo Adão a cabeça do gênero humano, ao cair arrasta consigo todos os seus descendentes (Rm 3,23); esta descendência necessita, portanto de um caminho de salvação para retornar para Deus. Cristo, o segundo Adão, assume a nossa natureza humana (que recebemos do primeiro Adão) e nos liberta da escravidão do mal.

Repare que se negamos a historicidade de Adão e Eva e os reduzimos à metáfora coletiva, parece que destruímos a doutrina do pecado original e com isto também o valor da encarnação de Cristo, único Redentor da humanidade. Comprometemos a necessidade que todos temos da salvação trazida por Cristo. Consequentemente poderíamos negar a Igreja fundada por Cristo e todos os seus ministros, sacramentos...

Nessa questão, alguns teólogos fazem a seguinte observação: Quando São Paulo fez o comentário já citado, sua intenção era falar de que nós obtemos a salvação somente por meio de Cristo, não existe outro caminho. Em vista disso, ele faz referência à realidade da origem, apontando para o monogenismo. São Paulo não quer, naquele momento discutir o problema das origens (sua intenção era a de mostrar Cristo como o único Salvador do qual todos temos necessidade); por isso, parece que a visão monogenista é atualmente a mais adequada para falar da unicidade da salvação. Isso não impediria que, se alguém mostrasse como conciliar o poligenismo com a unicidade da salvação em Cristo, a Igreja aceitasse a visão poligenista. Recordemos que a visão monogenista não é uma afirmação definitiva, solene da Igreja.

Concluindo: Como você percebeu, ainda não conseguimos montar todas as peças do quebra-cabeça. Há muito ainda para a ciência, a qual ainda não conseguiu chegar à escala zero da história humana; cabe a ela desvendar esta questão.

A Igreja nunca aceitou o caminho mais fácil para resolver certos problemas. Para nós, no campo teológico, deveremos manter algumas afirmações ao tratar desta questão:

1 – Não podemos conceber a ideia de que uma normal moral não tenha valor em determinado período da história humana. Uma norma moral deve ser sempre válida.

2 – Cristo é o único Salvador de toda a humanidade, sem exceção.

3 – Toda a humanidade, sem exceção necessita da salvação operada por Cristo.

Que o Senhor lhe proteja e conceda a todos nós luz, discernimento, sabedoria, para compreendermos nossa fé.

Pe. Cícero Lenisvaldo Miranda

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