quarta-feira, 6 de junho de 2012

Padre Responde - A Cremação dos Corpos é Aceita pela Igreja?


PERGUNTA - Pe. Cicero, certo dia, eu e minha mãe estávamos no sepultamento da mãe de um companheiro de missão, quando comecei a conversar com algumas pessoas que lá estavam. Eu falava que quando morresse gostaria que meu corpo fosse cremado... Fui recriminado imediatamente por uma jovem senhora, que estava na conversa. Ela começou a explicar que não era certo um católico ser cremado depois de morto. Depois desse dia, não quis mais saber de ser cremado, mesmo não entendendo bem a explicação dela. Gostaria que o senhor me respondesse, por que essa pratica não é correta... Creio que muitos têm essa mesma dúvida.



RESPOSTA - Caríssimo, obrigado pela sua pergunta! Já a algum tempo pensava em escrever algo sobre este assunto.

O que é a cremação? É a prática de reduzir a cinzas, através do fogo, um cadáver. Trata-se de uma prática muito antiga entre os não cristãos. Esse costume não é típico dos cristãos; entre nós, o costume é o de inumação (sepultamento).

Nos dias de hoje sabemos que um número sempre crescente de pessoas opta por tal prática; também entre cristãos isso vai se tornando “comum”, acredito que motivados pela decisão de algumas pessoas famosas, as quais antes da morte pedem para que sejam cremadas, fato que é sempre destacado pela mídia.

Há situações as quais entendemos que permitiriam a cremação: No passado, tivemos situações de epidemias em algumas regiões, fato que obrigava a cremação dos corpos para evitar contaminação. Podemos pensar também em situações em que o corpo foi acidentalmente queimado. Hoje poderíamos pensar em situações como a de cidades com milhões de habitantes; ali talvez a cremação seja uma solução pelo problema do espaço. Numa situação assim, talvez a cremação seja o meio mais econômico; mesmo se aqui entre nós esta opção parece ser a via mais cara.

A Igreja recomenda vivamente a prática da inumação, ou seja, o sepultamento dos corpos dos fiéis defuntos a exemplo de Cristo que foi sepultado. Contudo não proíbe a cremação, contanto que esta opção não tenha sido feita com a intenção de negar ou colocar em dúvida a fé na Ressurreição dos corpos ou por ódio contra a fé.


Recordemos que as cinzas, nesse caso, devem ser conservadas nos cemitérios e não jogadas em determinados lugares, como por exemplo, o mar, montanhas ou florestas; nem devem ser conservadas em casa ou no jardim. O fato de conservar a urna em casa poderia degenerar em formas de fetichismo ou de idolatria para com os defuntos.

O Código de Direito Canônico assim diz (também o Catecismo da Igreja no número 2301 afirma o mesmo ensinamento):

DAS EXÉQUIAS ECLESIÁSTICAS

Cân. 1176 — § l. Devem fazer-se exéquias eclesiásticas aos fiéis defuntos, segundo as normas do direito.

§ 2. As exéquias eclesiásticas, com as quais a Igreja implora o auxílio espiritual para os defuntos e honra os seus corpos, e ao mesmo tempo leva aos vivos a con­solação da esperança, devem celebrar-se em conformidade com as leis litúrgicas.

§ 3. A Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de se­pultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã.

Entendamos também que a prática da cremação pode carregar concepções panteístas ou naturalistas. Além do mais, o fato de jogar as cinzas na natureza (mar,  montanhas...) impede a possibilidade de exprimir com referência a um lugar preciso a dor pessoal e comunitária. Isso também torna mais difícil a recordação dos mortos, extinguindo-os; para as gerações sucessivas a vida daqueles que os precederam desaparece sem deixar traços. Recordemos que para a fé cristã, mesmo depois da morte, a pessoa humana conserva a própria identidade e a própria individualidade, ela não se dispersa no universo. Não podemos perder o lugar comum da memória dos fiéis defuntos que é o túmulo, a sepultura grávida de afetos, de esperança ultraterrena, de atos de fé na ressurreição.

Há um outro detalhe: a cultura do mundo atual é estranha à morte a ao morrer. A morte se tornou obscena, não se deve falar dela entre as pessoas “de bem”, pois entra na categoria da infâmia. E quando este fato acontece inevitavelmente, deve ser banido o quanto antes. Observe o que fizemos na liturgia ao retirarmos a cor preta dos paramentos; não seria isso uma influência desta mentalidade na liturgia da Igreja? Mas também a própria cor é evitada por muita gente no dia-a-dia.

Esta censura da morte, portanto, se reverte sobre a questão da sepultura, ao procurarmos formas de anular esta realidade. Primeiro as cinzas, evitando o cemitério, passando de uma dimensão social da morte (simbolizada nos cemitérios) para uma gestão privada e escondida deste mistério. Tenta-se ocultar este fato ao ponto de buscar abolir também o que significa a memória.

Para o cristão, deve ser familiar e sereno o pensamento da morte e a memória dos fiéis defuntos; por isso, ele deve procurar não aderir interiormente a tais práticas. Nem mesmo a questão econômica deve ser critério. Devemos eliminar o comércio que se criou em torno deste fato, sem falar da busca do lucro exagerado que envolve os funerais (velórios, sepultura, túmulos, ornamento...).

Pode ser uma solução o retornar à prática antiga de fazer o velório em casa ou nas capelas, como também a prática antiga e muito cristã da sepultura na terra, com túmulos marcados com uma cruz simples que traz o nome do defunto escrito.

Em poucas palavras: a cremação é uma prática que não pertence à tradição cristã.

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