segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Padre Responde - Cristo morreu por nós

Pergunta: "Padre, nunca consigo entender quando na Igreja falam que Jesus Cristo morreu por nós. Não fica claro na minha cabeça como eu fui/sou parte disso, responsável pelo sofrimento de Jesus. Gostaria de uma explicação do senhor."

Caríssimo visitante do nosso site, para entender esta questão, sigamos alguns passos:

1.  É interessante perceber que existe uma solidariedade universal entre os seres humanos. Há uma complexa rede de relações e de interdependências. Há aspectos que compartilhamos somente com algumas poucas pessoas, pense, por exemplo, nas pessoas da escola, do trabalho, da rua, da família. Aqui a rede de relacionamentos parece ser muito simples. Há outros aspectos que compartilhamos com um número bem maior de pessoas. Compartilhamos o fato de sermos alagoanos, brasileiros, latino americanos... aqui a rede de relacionamentos se torna cada vez mais complexa. Em um nível mais abrangente, somos seres humanos, compartilhamos a natureza humana a qual é comum a todos nós; tanto para todas as pessoas que vivem nesse momento em todas as partes do mundo, como também com aquelas que já existiram antes de nós – desde a origem da humanidade - ou aquelas que existirão depois de nós (até o final dos tempos).

Existe também uma responsabilidade entre todos nós; um ato de alguém atinge a individualidade de todos os outros. Carregamos responsabilidades ou conseqüências por certas coisas que foram feitas pelos nossos antepassados. Os nossos atos e decisões, por sua vez, trarão conseqüências para quem vier depois de nós.



Não faz muito tempo, nós, brasileiros, sofríamos muito na nossa economia exatamente por causa de uma dívida econômica internacional. Ela gerava complicações para os cidadãos brasileiros, sem exceção,  mesmo se não foram eles que tinham contraído tal débito. Outro fato: Causou-me comoção quando soube que um intelectual alemão teria dito, depois da eleição para o pontificado o atual Papa Bento XVI, que a segunda guerra mundial terminava naquele momento. Chamo atenção para este fato porque os alemães, mesmo os nascidos depois da década de quarenta do século passado, carregam este peso do que aconteceu em sua história na segunda guerra mundial, por causa da experiência terrível do nazismo.

Ainda outro exemplo: No ano 2000, a Igreja Católica da Itália pagou a dívida econômica de alguns países africanos. Esses países, que não podiam pagar sozinhos, não precisaram restituir o dinheiro para a Igreja Católica italiana, mas deveriam somente se comprometer em aplicar os valores, que seriam destinados para o pagamento de tal dívida, em estruturas para o bem do povo, pensemos na educação, saúde...  Alguém ali naqueles países poderia dizer que não se sente ligado a este fato?

Quando alguém passa a existir, ele se torna herdeiro de tudo o que foi feito e decidido antes dele. Ele se apossa do patrimônio de toda a humanidade, no que se refere a tudo: política, conhecimento, divisões, cultura... Hoje, um ato que é feito no outro lado do planeta, sabemos que acaba interferindo na nossa vida aqui.

Existem, portanto, estas conexões no campo da economia, política, cultura etc. Como já acenei anteriormente, é a natureza humana que une todos os seres humanos, ela nos unifica, e nos diferencia de todos os outros seres. Não somos anjos, não somos animais, pois eles não possuem a natureza humana.

2. Outro ponto é a culpa dos nossos primeiros pais. Na Bíblia, a idéia sobre o pecado implica inevitavelmente uma relação com a comunidade. Daí o fato de que ao pecado acompanhem conseqüências que não se limitam ao pecador considerado individualmente. Ao pecado segue a culpa, aquela situação em que o pecador se coloca e que inevitavelmente arrasta os outros, de modo particular, aos descendentes. Para o bem e para o mal, o influxo de um homem sobre todo o povo é maior quanto mais significativa é sua função: os reis, sacerdote... Com Adão e Eva inicia a concatenação de fatos pecaminosos e consequências do pecado. Existe entre os homens uma solidariedade mais ampla de que aquela meramente biológica.

Pelo conhecimento da fé sabemos que nas origens nossos primeiros pais, em uma atitude soberba, decidiram contra Deus. Este ato trouxe conseqüências para a nossa existência que experimentamos ainda hoje. A decisão deles afetou a nossa natureza humana. Não a destruiu, mas causou um dano humanamente irreparável. Sabemos disso não por termos verificado diretamente, “in loco”, mas indiretamente, por causa das conseqüências que verificamos no mundo.

Imaginemos uma pessoa que dirige palavras ofensivas a um mendigo na rua; foi um ato desrespeitoso, sem dúvida nenhuma, porém, pelo fato de ser uma pessoa “desconhecida”, a ofensa não terá muita relevância. Diferente é se as mesmas palavras fossem dirigidas a um policial, ao prefeito, ao governador, ao presidente... Quanto maior fosse o “status” da pessoa ofendida, maior será a ofensa, ainda que seja a mesma ofensa dirigida a cada um deles. Observemos agora que a ofensa feita pelos nossos primeiros pais foi a Deus, por isso ela teve um valor infinito; de maneira que o homem por si só não poderia resolver a situação que criou pelo mau uso de sua liberdade. Mesmo se o sangue de toda a humanidade fosse derramado para tentar resolver a situação não seria suficiente. Somente Deus mesmo poderia corrigir este dano. Dessa maneira podemos compreender o fato de o Filho de Deus ter se encarnado e sofrido na cruz para solucionar a questão.

3. O Filho de Deus, ao se encarnar, assumiu a nossa natureza humana, tornou-se um de nós. Assumiu a condição humana em tudo, exceto no pecado. Não cometeu pecado, mas assumiu as conseqüências do pecado que recaiam sobre nós. Sabemos pela fé da Igreja que Ele quis morrer crucificado para que nós fôssemos libertados do pecado. Deus não precisaria ter feito isso, em si mesmo Deus não necessita de nós; mas quis necessitar. Deus não nos ama porque nós somos dignos de ser amados, mas nós somos dignos de ser amados porque Deus nos ama.

São Paulo diz na carta aos Romanos 5, 6-10: “Com efeito, quando éramos ainda fracos, Cristo a seu tempo morreu pelos ímpios. Em rigor, a gente aceitaria morrer por um justo, por um homem de bem, quiçá se consentiria em morrer. Mas eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós. Portanto, muito mais agora, que estamos justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Se, quando éramos ainda inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais razão, estando já reconciliados, seremos salvos por sua vida”.

Imagine uma pessoa que vai a um hospital e vê uma criança que perdeu os braços em um acidente. Imagine que a pessoa sente algo pelo sofrimento daquela criança; isso se chama compaixão. De certa maneira, uma participa da situação da outra. Naquele momento, se dependesse dela, colocaria de volta imediatamente a situação no estado normal. Contudo, ela não poderia dar de volta os braços para a criança. Quando se trata do amor compaixão que Deus sente por nós, Ele vê a condição humana em que nos encontramos e a qual não deveria existir. No seu coração começa uma profunda comoção,  uma participação no nosso destino. A Sagrada Escritura chama esta compaixão de misericórdia. A misericórdia de Deus. Aqui podemos compreender o fato de que Ele quis participar do nosso destino, assumindo a nossa condição humana para nos livrar da situação em que nos encontramos.

Como foi já foi dito, existe entre os homens uma solidariedade mais ampla de que aquela meramente biológica. Foi dito também que para o bem e para o mal, o influxo de um homem sobre todo o povo é maior quanto mais significativa é sua função. Jesus Cristo, portanto, é o próprio Filho de Deus que assumiu nossa natureza humana, unindo-se assim a cada um de nós.

Ele morreu por nós, mas não permaneceu na morte, Ele ressuscitou. Assumindo a condição humana, Ele mudou a situação em que ela se encontra, essa novidade é oferecida a quem se associa a Ele pela fé. As pessoas que creram nessa verdade, que a experimentaram, descobriram um sentido totalmente novo para a sua vida, mudaram radicalmente. É claro, que não se trata somente de compreender intelectualmente, mas de experimentar existencialmente. Para isso, faz-se necessário buscar a intimidade com o Senhor, não são suficientes explicações.

Para não me alongar, deixo três estórias que ilustram o que estamos tentando compreender:

A – Uma avó vivia com um neto que adquiriu o vício de roubar. Ela tentou corrigir este vício de várias maneiras, sem sucesso. Um dia, resolveu dar um ultimato. Às portas fechadas, dentro da cozinha da casa, ela mostrou um ferro pontiagudo que tinha colocado dentro do fogo que usava para cozinhar. Depois disse à criança que se dentro de um ano ele não deixasse aquele vício, ela atravessaria a mão dele com o ferro ardente. Tendo passado um ano, o menino continuava roubando. A senhora, então, o levou para a cozinha da casa, fechou as portas e recordou à criança o que tinha dito há um ano. Como ele não tinha se corrigido, ela disse que chegou a hora de cumprir o que prometeu. Dirigiu-se para o fogo, a criança estremeceu; então ela pegou o ferro ardente e atravessou a sua própria mão.

O texto dizia que o narrador da estória já era adulto e que sua avó já tinha falecido; ao recordá-la, afirmava que depois daquele dia nunca mais roubou.

B – Uma jovem, sem idade para dirigir, cometeu um acidente com o carro de seus pais que tinha retirado de casa sem autorização deles. É apresentada diante do juiz, o qual a pune com uma multa severa. Ela alega que não possui nada para pagar. O juiz retira o dinheiro da carteira e paga a multa. Depois disso, ela percebe que aquele juiz era seu pai, o qual não tinha reconhecido por estar muito nervosa pelos acontecimentos.

C – Uma criança derruba a televisão, quebrando-a. O pai, vendo a situação da criança, abraça-a, dizendo que a perdoava pelo que aconteceu. Mesmo tendo dado o perdão, a televisão ainda continuava quebrada e era necessário alguém reparar o dano.

4. Concluindo. Nós, ao sermos gerados por nossos pais, entramos na existência humana marcada por toda a realidade do pecado, mas também marcada pela obra realizada por Cristo, que nos amou eternamente, já antes de existirmos, e sem que merecêssemos, se entregou por nós, para que recebêssemos gratuitamente a vida nova. Imagine uma pessoa que possui muitos bens e que, compreendendo tudo isso, resolve financiar uma obra para atender pessoas carentes. Aqueles que serão beneficiados, receberão o influxo do amor dessa pessoa, que é o amor de Deus, mesmo se não chegaram a conhecê-la.

Caríssimo leitor, espero ter ajudado na compreensão da questão que você apresentou. Suplico a Deus para que você alcance com convicção o que São Paulo um dia disse: “A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).

Com minha bênção!
Pe. Cícero Lenisvaldo

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